Filiação Socioafetiva. Multiparentalidade. União Poliafetiva. Reprodução Assistida.

FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

Filiação socioafetiva é aquela que reconhece como pai aquele que realmente tem vínculos afetivos (ex.: padrasto) não apenas a filiação biológica (pai biológico). Surgiu com precedentes do STJ e atualmente é regulamentado pelo Provimento 63 do CNJ (reconhecimento espontâneo) Provimento 83 do CNJ e a doutrina reconhece esse fenômeno como “posse de estado de filho” pelo “trato e fama”.

O reconhecimento da filiação socioafetiva se dá pela fama (a sociedade reconhece) e o tractatus (se tratam como pais e filhos), ou seja, pelo conhecimento social da relação de pai e filho ou pela forma de tratamento entre pai e filho.

IRREVOGÁVEL: uma vez requeria é irrevogável! Não cabe ação negatória de paternidade!

A filiação socioafetiva abrange relações advindas da filiação CIVIL:

(1) Adoção;
(2) Reprodução Assistida Heteróloga (com material biológico de terceiros);

Princípios Protetivos
(i) Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III CF)
(ii) Princípio da Paternidade Responsável (Art. 229 CF)
(iii) Parentesco (1.593 CC) “outras origens”.

Art. 1º O Provimento n. 63, de 14 de novembro de 2017, passa a vigorar com as seguintes alterações:
I – o art. 10 passa a ter a seguinte redação:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.
II –  o Provimento n. 63, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A:

Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente.

Antigamente se substituía o pai biológico do registro civil pelo pai civil com extrema facilidade, atualmente, o STF adota o entendimento que não se pode meramente excluir a paternidade biológica, e sim, o acréscimo da paternidade socioafetiva no registro civil, criando uma multiparentalidade. Assim a multiparentalidade se apresenta como regra,e a adoção unilateral exceção.  Nesse caso criou-se o entendimento de igualdade paterna entre pai biológico e pai socioafetivo. Isso se aplica para relações de homoafetividade.

Informativo nº. 840 da Corte, de setembro de 2016: Tese fixada pelo STF: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

A filiação natural (biológica) ou civil (socioafetiva) gera os mesmo direitos – inexiste diferenças. Inclusive a filiação socioafetiva se sobrepõe à filiação biológica (pacificado pela jurisprudência).

O Provimento 83 alterou o Provimento 63 proibindo o reconhecimento multiparental espontâneo extrajudicial , determinando a possibilidade do reconhecimento espontâneo apenas de um ascendente materno ou paterno, devendo a multiparentalidade ser reconhecida apenas judicialmente.

“art. 14 (…)
§ 1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno.
§ 2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial.

Da mesma forma, para substituição de parentalidade, somente é alcançada através da adoção unilateral.

CONSENTIMENTO PARA FILIAÇÃO
Judicial ou Extrajudicial?

  • É necessário o consentimento dos pais biológicos:
  • Se a criança for MAIOR de 12 ANOS, igualmente é necessário o consentimento da criança, se MENOR a criança é dispensado;

(i) EXTRAJUDICIAL: Havendo (1) o consentimento dos pais, e (2) se a criança for maior de 12 anos (também consentindo), há a possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva ser realizado extrajudicialmente.

(ii) JUDICIAL: Havendo filhos MENORES de 12 anos; ou ausência de consentimento dos pais biológicos, será obrigatoriamente via judicial.

  • Limitação de Reconhecimentos: 2 pais e 1 mãe, ou a 1 pai e 2 mães (§ 1º do art. 14 do Provimento n. 63 do CNJ), “somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno”. Se a pretensao envolver a inclusão de mais de um ascendente socioafetivo (no caso avós) deverá tramitar pela via judicial (§ 2º).

MEIOS DE PROVAS

A forma de reconhecimento EXIGE a comprovação do vínculo socioafetivo por meio da comprovação FAMA e do TRATO , que poderá ocorrer conforme rol EXEMPLIFICATIVO ROL exemplificativo dos Provimentos 63 e 83 do CNJ:

a) apontamento escolar como responsável ou representante do aluno em qualquer nível de ensino;
b) inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência privada;
c) registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar;
d) vínculo de conjugalidade, por casamento ou união estável, com o ascendente biológico da pessoa que está sendo reconhecida;
e) inscrição como dependente do requerente em entidades associativas, caso de clubes recreativos ou de futebol;
f) fotografias em celebrações relevantes; e
g) declaração de testemunhas com firma reconhecida (art. 10-A, § 2º, do Provimento n. 83 do CNJ).

Lembrando que o rol é meramente exemplificativo podendo ser dirimido por outros meios de provas (por testemunhas, fotos, cartas, IR, matricula escolar, declarações de médico-psicólogo, dentre outras.

No requerimento EXTRAJUDICIAL, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo (conforme nova redação do art. 10-A, § 3º, do Provimento n. 83 do CNJ), e ainda, ARQUIVAR juntamente com o requerimento, todos os documentos apresentados para comprovação do vínculo socioafetivo (originais ou cópias)(art. 10-A, § 4º do Provimento n. 83 do CNJ) e encaminhado para parecer do MP (§ 9º, art. 11 do Provimento n. 63).

FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTE

A filiação socioafetiva post mortem  é admitida, em especial, para efeitos de sucessão patrimonial.

Legitimidade de partes: Nesse tipo de ação a parte autora é quem pede a filiação socioafetiva e a parte requerida são TODOS os herdeiros.

É possível pedir o reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem inclusive no andamento da ação de inventário (cumulada conjuntamente com a petição de habilitação / petição de herança, com pedido subsidiário de reserva).

Com o inventário já finalizado, inclusive com a formação do formal de partilha, o herdeiro socioafetivo deve entrar com o pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva cumulado com o pedido de anulação da partilha.

DECLARAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Preenchimento de Requisitos

Para requerer a filiação socioafetiva extrajudicial, o requerente deverá comprovar alguns requisitos, inclusive, preenchendo auto declaração:

5- DECLARAÇÃO DA PESSOA QUE REALIZA O RECONHECIMENTO:

DECLARO, sob as penas da lei, que:
5.1. A filiação socioafetiva, ora afirmada, é verdadeira e que RECONHEÇO, nos termos do Provimento n° 63 e 83 do Conselho Nacional de Justiça, meu(minha) filho(a) SOCIOAFETIVO acima identificado(a);
5.2. O reconhecimento da filiação socioafetiva ou adoção não foi pleiteado em juízo;
5.3. Não há vínculo de parentesco biológico na linha de ascendente ou de irmãos com o(a) reconhecido(a);
5.4. Possuo diferença de idade em, no mínimo, de 16 anos com o(a) filho(a) reconhecido(a) (no judicial é mitigado);
5.5. Tenho conhecimento que o(a) filho(a) reconhecido(a) passará a ter todos os direitos legais de filho, inclusive os direitos sucessórios, em igualdade com os filhos biológicos ou adotados, sem distinção;
5.6. Tenho ciência de que o reconhecimento é irrevogável nos termos do art. 1.610 do vigente Código Civil.

Mitigação do requisito de diferença de idade mínima para adoção que se aplica aos requerimentos judicias de socioafetividade

No caso emblemático abaixo, o padrasto pede adoção da enteada, mas aqui a diferença de idade entre eles é 12 anos. No caso, a enteada contava com 27 anos de idade e convivia com padrasto desde os seus 13 anos, quando a mãe passou a viver em união estável com ele. Como havia socioafetividade
entre eles, a adoção foi permitida, apesar de não haver a diferença de 16 anos exigida pelo ECA, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADOÇÃO UNILATERAL DE MAIOR AJUIZADA PELO COMPANHEIRO DA GENITORA. DIFERENÇA MÍNIMA DE IDADE ENTRE ADOTANTE E ADOTANDO. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do § 1º do artigo 41 do ECA, o padrasto (ou a madrasta) pode adotar o enteado durante a constância do casamento ou da união estável (ou até mesmo após), uma vez demonstrada a existência de liame socioafetivo consubstanciador de relação parental concretamente vivenciada pelas partes envolvidas, de forma pública, contínua, estável e duradoura. 2. Hipótese em que o padrasto (nascido em 20.3.1980) requer a adoção de sua enteada (nascida em 3.9.1992, contando, atualmente, com vinte e sete anos de idade), alegando exercer a paternidade afetiva desde os treze anos da adotanda, momento em que iniciada a união estável com sua mãe biológica (2.9.2006), pleito que se enquadra, portanto, na norma especial supracitada. 3. Nada obstante, é certo que o deferimento da adoção reclama o atendimento a requisitos pessoais – relativos ao adotante e ao adotando – e formais. Entre os requisitos pessoais, insere-se a exigência de o adotante ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando (§ 3º do artigo 42 do ECA). 4. A ratio essendi da referida imposição legal tem por base o princípio de que a adoção deve imitar a natureza (adoptio natura imitatur). Ou seja: a diferença de idade na adoção tem por escopo, principalmente, assegurar a semelhança com a filiação biológica, viabilizando o pleno desenvolvimento do afeto estritamente maternal ou paternal e, de outro lado, dificultando a utilização do instituto para motivos escusos, a exemplo da dissimulação de interesse sexual por menor de idade. 5.Extraindo-se o citado conteúdo social da norma e tendo em vista as peculiaridades do caso concreto, revela-se possível mitigar o requisito de diferença etária entre adotante e adotanda maior de idade, que defendem a existência de vínculo de paternidade socioafetiva consolidado há anos entre ambos, em decorrência de união estável estabelecida entre o autor e a mãe biológica, que inclusive concorda com a adoção unilateral. 6. Apesar de o adotante ser apenas doze anos mais velho que a adotanda, verifica-se que a hipótese não corresponde a pedido de adoção anterior à consolidação de uma relação paterno-filial, o que, em linha de princípio, justificaria a observância rigorosa do requisito legal. 7. À luz da causa de pedir deduzida na inicial de adoção, não se constata o objetivo de se instituir uma família artificial – mediante o desvirtuamento da ordem natural das coisas -, tampouco de se criar situação jurídica capaz de causar prejuízo psicológico à adotanda, mas sim o intuito de tornar oficial a filiação baseada no afeto emanado da convivência familiar estável e qualificada. 8. Nesse quadro, uma vez concebido o afeto como o elemento relevante para o estabelecimento da parentalidade e à luz das especificidades narradas na exordial, o pedido de adoção deduzido pelo padrasto – com o consentimento da adotanda e de sua mãe biológica (atualmente, esposa do autor) – não poderia ter sido indeferido sem a devida instrução probatória (voltada à demonstração da existência ou não de relação paterno-filial socioafetiva no caso), revelando-se cabível, portanto, a mitigação do requisito de diferença mínima de idade previsto no § 3º do artigo 42 do ECA. Recurso especial provido. (REsp 1717167/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 10/09/2020).

MULTIPARENTALIDADE

Conceito: Multiparentalidade é a situação em que uma pessoa possui formalmente mais de um pai e uma mãe, tendo todos os direitos decorrentes da filiação com relação a todos eles.

A Multiparentalidade normalmente decorre de uma filiação socioafetiva, com exceção das multiparentalidades naturais (ex.: reprodução assistida). Ver Enunciados 18 a 22 do 1º Encontro Estadual de Magistrados de Varas da Família e das Sucessões:

18.  É possível a retificação de assento de nascimento para a averbação da alteração de sexo, com ou sem alteração do nome, independentemente da prévia realização de cirurgia de transgenitalização, desde que mediante determinação judicial em ação própria.

19.  É possível a coexistência da indicação de filiações socioafetiva e biológica no registro civil de nascimento, sem identificação, no respectivo assento de nascimento, da origem ou causa da paternidade ou da maternidade.

20.  A retificação do registro civil do nascimento para incluir paternidade ou maternidade biológica, quando já indicada a respectiva filiação (passando a existir dois pais e uma mãe, ou duas mães e um pai), depende de determinação judicial em ação contenciosa, sendo nessa hipótese inaplicável o Provimento nº 16, da Corregedoria Nacional de Justiça, que em seu art. 6º dispõe sobre o reconhecimento espontâneo de filho realizado pelo genitor mediante declaração, por escrito particular, feita diretamente ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.

21.  A coexistência de filiações socioafetiva e biológica no Registro Civil das Pessoas Naturais enseja a partilha da herança, em caso de falecimento do filho, entre todos os genitores, por cabeça.

22.  Na inseminação artificial heteróloga consentida, não pode o doador do material genético pleitear a declaração da paternidade tendo como fundamento os laços biológicos. Na gestação por substituição também não se admite em favor da parturiente a declaração da maternidade em coexistência com a fornecedora do material genético.

O procedimento da multiparentalidade segue a ritualística das ações de família prevista no artigo 693 do CPC/15 e seguintes tema de repercussão geral nº 622 do STF e Provimentos 63/2017 e 83/2019 do CNJ.

Tema nº 622 do STF: Tese: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.

A Lei de registros públicos (Lei 6015/73 – art. 57) foi alterada em 2009, pela Lei 11924 tornando possível acrescentar o sobrenome do padrasto/madrasta no assento de nascimento:

“§ 8º O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.”

  • Vide Provimentos 63/17 e 83/19 do CNJ (arts. 10 a 15

A jurisprudência é pacífica atualmente quanto a possibilidade da multiparentalidade, inclusive tema de repercussão geral reconhecida pelo STF no REx 898.060 SP, citamos ainda o brilhante julgado dos autos 0038958-54.2012.8.16.0021 do TJ/PR, AP 0006422-26.2011.8.26.0286 TJ/SP e também a apelação 0176364-89.2015.8.21.700 TJ/RS abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade.

EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família – Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes – A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido.

Processamento a ação de reconhecimento de filiação socioafetiva:
Petição Inicial;
Intimação na pessoa do Réu para audiência conciliatória – Regra (art.694 CPC);
Prazo para apresentação de Contestação – 15 dias à contar da audiência (Regra) ;
Réplica em 15 dias (sem preliminares 5 dias);
Despacho saneador de produções de provas (apresentação rol de testemunhas);
Audiência de Instrução e julgamento (se necessário oitiva ou perícia);
Alegações finais (memoriais) em 15 dias;
Sentença.

UNIÃO POLIAFETIVA

A união poliafetiva não se confunde com a multiparentalidade. A união poliafetiva se dá quando três ou mais pessoas vivem em convívio como se casados fossem. Decorre do poliafeto ou poliamor sob o preceito de que ninguém fica obrigado a amar só uma pessoa.

A controversa da poliafetividade está instaurada com relação aos direitos e sucessão patrimonial, tema analisado caso a caso pelo poder judiciário.

O poder judiciário tenta afastar a bigamia da poliafetividade. Em 26/06/2018, com o julgamento do pedido de providência 0001459-08.2016.2.00.0000, o CNJ proibiu o reconhecimento da união poliafetiva extrajudicial (cartório de notas), o que não se confunde com o requerimento judicial da pretensão.

REPRODUÇÃO ASSISTIDA

→ Reprodução assistida homóloga (utiliza material genético dos próprios pais);
→ Reprodução assistida heteróloga (utiliza material genético de terceiros).

Inseminação Artificial

A inseminação artificial ocorre quando o esperma é introduzido no corpo feminino, podendo acontecer de duas formas:
Homóloga: Quando o doador do esperma for o marido, sendo presumida a paternidade quando o filho é havido desta fecundação, ainda que o marido tenha falecido ao tempo do nascimento do filho.
Heteróloga: Quando o doador do esperma for terceira pessoa, desde que o marido tenha consentido com o procedimento antes de seu falecimento.

A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consangüíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será
estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante
.” (Enunciado n. 111 da Primeira Jornada de Direito Civil).

Na inseminação artificial os espermatozoides são introduzidos diretamente no útero da mulher, para que encontrem o óvulo e o fecundem. Já na FIV (fertilização in vitro) um único espermatozoide, previamente selecionado, é injetado dentro do óvulo, para que seja fecundado em laboratório. Após a fecundação, o embrião desenvolvido é transferido ao útero. Por isso, a técnica ficou conhecida como “bebê-de-proveta“.

Resolução CFM nº 2294/21

  • As técnicas de RA têm o papel de auxiliar no processo de procriação humana, podendo ser utilizadas para doação de oócitos (maior célula do corpo humano),
    preservação de gametas (óvulos e/ou espermatozóides), embriões (uma estrutura originária da fertilização de um óvulo por um espermatozóide) e tecidos germinativos (são camadas de células que dão origem aos órgãos e tecidos dos seres vivos), desde que exista possibilidade de sucesso e baixa probabilidade de risco grave tanto para a paciente quanto para o possível descendente.
  • Possibilidade de cessão temporária do útero para familiares em grau de parentesco consanguíneo e a idade máxima das candidatas à gestação, sendo permitidas exceções a partir de critérios técnico-científicos e fundamentação médica.

Criopreservação (congelamento)
O número total de embriões gerados em laboratório não poderá exceder a oito.
Aos pacientes cabe decidir quantos embriões serão transferidos a fresco, respeitada a regulamentação exposta na Resolução CFM nº 2.294/21, devendo os excedentes viáveis serem criopreservados.
A destinação dos embriões deve ser manifestada por escrito pelos pacientes no momento da criopreservação, considerada a doação como uma possibilidade.
Haverá delimitação do número de embriões a serem transferidos de acordo com a idade da receptora e com as características cromossômicas do embrião.
Mulheres de até 37 anos podem implantar até dois embriões. Acima dessa idade, cada uma poderá transferir até três.

Gestação
A cessão temporária de útero é viável através da utilização de técnicas de RA, devendo a gestante de substituição pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau.
A Resolução CFM nº 2.294/21 inclui, além desse vínculo, que a cedente deve ter pelo menos um filho vivo.
A gestação de substituição permanece sendo uma possibilidade para mulheres com problemas de saúde que impeçam ou contraindiquem a gravidez, para pessoas solteiras ou em uniões homoafetivas.
Os pacientes contratantes dos serviços de RA também continuam tendo a responsabilidade de garantir, até o puerpério, tratamento e acompanhamento médico e/ou multidisciplinar à mãe cedente do útero; a obrigação é aplicável tanto nos tratamentos realizados no setor privado quanto no público.

Seção III – Prov. 63/17 CNJ

Da Reprodução Assistida

Art. 16. O assento de nascimento de filho havido por técnicas de reprodução assistida será inscrito no Livro A, independentemente de prévia autorização judicial e observada a legislação em vigor no que for pertinente, mediante o comparecimento de ambos os pais, munidos de documentação exigida por este provimento.
§ 1º Se os pais forem casados ou conviverem em união estável, poderá somente um deles comparecer ao ato de registro, desde que apresente a documentação referida no art. 17, III, deste provimento.
§ 2º No caso de filhos de casais homoafetivos, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem
referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna
.
Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:
I – declaração de nascido vivo (DNV)
II – declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;
III – certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.
§ 1º Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação.
§ 2º Nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo, conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida.
§ 3º O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida.
Art. 18. Será vedada aos oficiais registradores a recusa ao registro de nascimento e à emissão da respectiva certidão de filhos havidos por técnica de reprodução assistida, nos termos deste provimento.
§ 1º A recusa prevista no caput deverá ser comunicada ao juiz competente nos termos da legislação local, para as providências disciplinares cabíveis.
§ 2º Todos os documentos referidos no art. 17 deste provimento deverão permanecer arquivados no ofício em que foi lavrado o registro civil.
Art. 19. Os registradores, para os fins do presente provimento, deverão observar as normas legais referentes à gratuidade de atos.

Inseminação Caseira

Tal método, sem embasamento médico algum, consiste na obtenção de sêmen de forma clandestina e a introdução do material diretamente na vagina — ou
até mesmo, com auxílio de um cateter, dentro do útero da mulher. O que os casais muitas vezes não sabem é que tal procedimento não é isento de riscos,
muito pelo contrário.

O ponto mais importante é a segurança. Várias doenças podem ser transmitidas pelo sêmen, entre elas a infecção pelo HIV e a sífilis.

Mesmo que o “doador” seja testado, existe uma janela imunológica de até seis meses para algumas doenças em que o patógeno pode não ser detectado. Dessa forma, o uso de material de um doador não registrado em um banco de sêmen carrega consigo um risco de contaminação por uma doença sexualmente
transmissível — e que pode acarretar sérias consequências para a mulher e até para o bebê.

RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE OFENSA A ATOS NORMATIVOS INTERNA CORPORIS. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA. REGULAMENTAÇÃO. ATOS NORMATIVOS E ADMINISTRATIVOS. PREVALÊNCIA DA TRANSPARÊNCIA E CONSENTIMENTO EXPRESSO ACERCA DOS PROCEDIMENTOS. EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS. POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO, DOAÇÃO, DESCARTE E PESQUISA. LEI DE BIOSSEGURANCA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA E FORMAL. TESTAMENTO OU DOCUMENTO ANÁLOGO. PLANEJAMENTO FAMILIAR. AUTONOMIA E LIBERDADE PESSOAL. 1. A negativa de prestação jurisdicional não se configura quando todos os aspectos relevantes para o correto julgamento da causa são considerados pelo órgão julgador, estabelecendo-se, de modo claro e fundamentado, a compreensão firmada, ainda que em sentido diferente do desejado pelos recorrentes. 2. Nos termos do entendimento do STJ, é inviável, em recurso especial, a verificação de ofensa/aplicação equivocada de atos normativos interna corporis, tais como regimentos internos, por não estarem compreendidos no conceito de tratado ou lei federal, consoante a alínea a do inciso III do art. 105 da CF/1988. 3. No que diz respeito à regulamentação de procedimentos e técnicas de reprodução assistida, o Brasil adota um sistema permissivo composto por atos normativos e administrativos que condicionam seu uso ao respeito a princípios éticos e constitucionais. Do acervo regulatório destaca-se a Resolução n. 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina, que impõe a prevalência da transparência, do conhecimento e do consentimento da equipe médica, doadores e receptores do material genético em todas as ações necessárias à concretização da reprodução assistida, desde a formação e coleta dos gametas e embriões, à sua criopreservação e seu destino. 4. Quanto ao destino dos embriões excedentários, a Lei da Biossegurança (Lei n. 11.105/2005) dispõe que poderão ser implantados no útero para gestação, podendo, ainda, ser doados ou descartados. Dispõe, ademais, que, garantido o consentimento dos genitores, é permitido utilizar células-tronco embrionárias obtidas da fertilização in vitro para fins de pesquisa e terapia. 5. Especificamente quanto à reprodução assistida post mortem, a Resolução CFM n. 2.168/2017, prevê sua possibilidade, mas sob a condição inafastável da existência de autorização prévia específica do (a) falecido (a) para o uso do material biológico criopreservado, nos termos da legislação vigente. (…) Da mesma forma, o Provimento CNJ n. 63 (art. 17, § 2º) estabelece que, na reprodução assistida post mortem, além de outros documentos que especifica, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida. 7. O Enunciado n. 633 do CJF (VIII Jornada de Direito Civil) prevê a possibilidade de utilização da técnica de reprodução assistida póstuma por meio da maternidade de substituição, condicionada, sempre, ao expresso consentimento manifestado em vida pela esposa ou companheira. 8. O Planejamento Familiar, de origem governamental, constitucionalmente previsto (art. 196, § 7º e art. 226), possui natureza promocional, e não coercitiva, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, e consiste na viabilização de utilização de recursos educacionais e científicos, bem como na garantia de acesso igualitário a informações, métodos e técnicas de regulação da fecundidade. 9. O princípio da autonomia da vontade, corolário do direito de liberdade, é preceito orientador da execução do Planejamento Familiar, revelando-se, em uma de suas vertentes, um ato consciente do casal e do indivíduo de escolher entre ter ou não filhos, o número, o espaçamento e a oportunidade de tê-los, de acordo com seus planos e expectativas. 10. Na reprodução assistida, a liberdade pessoal é valor fundamental e a faculdade que toda pessoa possui de autodeterminar-se fisicamente, sem nenhuma subserviência à vontade de outro sujeito de direito. 11. O CC/2002 (art. 1.597) define como relativa a paternidade dos filhos de pessoas casadas entre si, e, nessa extensão, atribui tal condição à situação em que os filhos são gerados com a utilização de embriões excedentários, decorrentes de concepção homóloga, omitindo-se, contudo, quanto à forma legalmente prevista para utilização do material genético post mortem. 12. A decisão de autorizar a utilização de embriões consiste em disposição post mortem, que, para além dos efeitos patrimoniais, sucessórios, relaciona-se intrinsecamente à personalidade e dignidade dos seres humanos envolvidos, genitor e os que seriam concebidos, atraindo, portanto, a imperativa obediência à forma expressa e incontestável, alcançada por meio do testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia. 13. A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, haverá de ser efetivada por testamento ou por documento análogo. 14. Recursos especiais providos. (STJ – REsp: 1918421 SP 2021/0024251-6, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 08/06/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2021)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. DUPLA PATERNIDADE OU ADOÇÃO UNILATERAL. DESLIGAMENTO DOS VÍNCULOS COM DOADOR DO MATERIAL FECUNDANTE. CONCEITO LEGAL DE PARENTESCO E FILIAÇÃO. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE ADMITINDO A MULTIPARENTALIDADE. EXTRAJUDICICIALIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DO DIREITO DECLARADO PELO PRECEDENTE VINCULANTE DO STF ATENDIDO PELO CNJ. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE DE REGISTRO SIMULTÂNEO DO PAI BIOLÓGICO E DO PAI SOCIOAFETIVO NO ASSENTO DE NASCIMENTO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. 1. Pretensão de inclusão de dupla paternidade em assento de nascimento de criança concebida mediante as técnicas de reprodução assistida sem a destituição de poder familiar reconhecido em favor do pai biológico. 2. “A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consangüíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.” (Enunciado n. 111 da Primeira Jornada de Direito Civil). 3. A doadora do material genético, no caso, não estabeleceu qualquer vínculo com a criança, tendo expressamente renunciado ao poder familiar. 4. Inocorrência de hipótese de adoção, pois não se pretende o desligamento do vínculo com o pai biológico, que reconheceu a paternidade no registro civil de nascimento da criança. 5. A reprodução assistida e a paternidade socioafetiva constituem nova base fática para incidência do preceito “ou outra origem” do art. 1.593 do Código Civil. 6. Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança. 7. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE 898.060/SC, enfrentou, em sede de repercussão geral, os efeitos da paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, permitindo implicitamente o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseada na origem biológica. 8. O Conselho Nacional de Justiça, mediante o Provimento n. 63, de novembro de 2017, alinhado ao precedente vinculante da Suprema Corte, estabeleceu previsões normativas que tornariam desnecessário o presente litígio. 9. Reconhecimento expresso pelo acórdão recorrido de que o melhor interesse da criança foi assegurado. 10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ – REsp: 1608005 SC 2016/0160766-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14/05/2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2019)